quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Paranapiacaba - SP

Esta incrível cidadezinha está meio escondida no anel verde da gigantesca metrópole São Paulo - SP apenas a cinco dezenas de quilômetros do seu centro. Foi fundada em 1860 durante a construção da ferrovia São Paulo - Santos, e desde então permanece a serviço desse modal, mantendo não apenas seu projeto urbanístico e quase todas as construções originais, mas em alguns aspectos até o modo de vida da segunda metade do século XIX. A vila ferroviária de Paranapiacaba está localizada nas montanhas enevoadas entre o planalto da capital paulista e o Litoral, a uma altitude de 800 a 840 m acima do nível do mar, e atualmente tem cerca de 3 mil habitantes. Isso não é suficiente para emancipação, portanto continua sendo um "distrito remoto" do município de Santo André, um dos mais prósperos na Grande São Paulo. A distância do centro é quase 30 km que podem ser vencidos com auxílio de transporte público sem dificuldades.

A operação de transporte regular de passageiros nesta estação ferroviária foi desativada em 1977, e o antigo relógio que funciona desde 1901 logo foi reposicionado do alto do velho terminal de madeira para nova torre de alvenaria construída para esse fim. No lugar da antiga construção de grandes proporções apareceu esta típica estação para trens suburbanos.


Uma linha de CPTM foi esticada até aqui, mas não por muito tempo. Mas os trens de carga circulam cada vez mais, e por motivos de segurança em Paranapiacaba não é possível atravessar os trilhos em nível. Há apenas tanto uma via pedestre - pela passarela construída ainda em 1899.


Este caminho conecta duas distintas partes da Vila Ferroviária de Paranapiacaba. Nos fundos aqui aparece, nesta hora parcialmente coberta de neblina, a parte principal chamada Vila Baixa, que fica a esquerda dos trilhos para quem segue de São Paulo para Litoral.


Aqui temos vista para Vila Alta ou Vila Velha, que cresceu de forma desordenada no lugar das moradias temporárias dos operárias de construção - tanto da própria ferrovia quanto da Vila Baixa. 


Apenas a igreja do ano 1889 e o cemitério nos seus fundos fazem parte da planta original desta Vila Ferroviária. Mas o que cresceu nesta colina depois possui seu próprio charme e completa bem o conjunto, embora suas partes principais são o complexo ferroviário e a Vila Baixa.

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A Vila Baixa (ou Vila Martim Smith) foi construída no terreno mais plano. Ruas largas, casas de madeira padronizadas - muito espaçosas mesmo para tempos modernos e cercadas de jardins. Os banheiros foram originalmente localizados nos cantos mais distantes dos lotes, separados por vielas sanitárias que inicialmente serviram para acesso às fossas, e mais tarde para implantação do sistema de esgoto. 


Quase todos esses prédios residenciais ainda estão em boas condições e passaram por retoques de pintura externa recentemente. Mas uma parte já não tem moradores e foi convertida em restaurantes turísticos (quase todos com sistema de buffet e preços atuais de 28-30 reais por pessoa) - é sensível que o quadro de pessoal da estação e a população total de Paranapiacaba diminuíram desde o fim do século XIX. 

Quanto aos edifícios públicos e administrativos e uso geral, o seu destino foi variado. O clube social permaneceu em seu lugar, embora vive menos movimentado; o velho mercado local tornou-se um movimentado mercado para turistas; a casa do engenheiro-chefe virou museu chamado Castelo. Enquanto as ruínas do antigo clube desportivo e alguns outros edifícios estão na fila de restauração, aguardando verbas federais.


Desde 2008 a Vila Ferroviária de Paranapiacaba foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e a seguir incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - Preservação de Cidades Históricas. Portanto além dos investimentos municipais e estaduais agora conta com um auxílio focado na promoção mundial - este objeto foi incluído na lista dos candidatos ao estatuto de Patrimônio da Humanidade UNESCO.

Pela primeira vista, o tamanho desta vila ferroviária é desproporcional à importância da estação intermediário que fica no meio da linha bastante curta - amenos de 100 km entre centro de São Paulo e porto de Santos. Mas acontece que esta linha é muito peculiar: justamente neste local, antes chamado Alto da Serra, começa descida da Serra do Mar para o Litoral, com quase 800 m de desnível. E isso requer soluções técnicas de outro nível, bem como do respectivo quadro operacional. O desafio foi vencido em 1860-67 pela São Paulo Railway Company que implementou um sistema funicular escalonado. Na liderança deste projeto foi engenheiro britânico Daniel Makinson Fox que já tinha experiência com sistemas funiculares no seu próprio país e no exterior (em Pireneus) 

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O Museu Ferroviário (de funiculares) em Paranapiacaba é imenso, mas ainda não foi aberto para visitação integralmente. Mesmo assim, só a parte alta mostrada aos visitantes nos dias de hoje é bem ampla - tem tamanho quase do resto da cidadezinha. 


Estes galpões construídos no final do século XIX guardam muitas amostras do material ferroviário daquela época, bem como outros museus do gênero. A específica daqui é ênfase em funiculares movidos com máquinas à vapor.

O Primeiro Sistema Funicular implementado e operado pela empresa inglesa, com participação de engenheiros e operários vindos da Grã-Bretanha, da Alemanha e da Suíça, tinha 4 planos com inclinação de 8% e comprimento de 2-3 km cada. Estes planos foram separados por patamares de 75 metros, quase planos (até 1,3% de inclinação), que serviram para instalação das máquinas à vapor auxiliares. O empuxo adicional foi necessário para vencer o atrito e compensar outras perdas de energia e adicionado ao esforço principal transmitido por cabos dos vagões que desciam aos que subiam - sempre de forma sincronizada.    


Os locomotivas a vapor que trabalharam nos trechos mais planos, com respectivos vagões e outros equipamentos da época complementam muito bem a exposição dedicada ao "1-o Sistema Funicular". A sua implementação em apenas 7 anos foi uma façanha por causa do volume desta obra de terraplanagem. Grandes volumes de rochas e de terra foram deslocados e fixados sem uso de explosivos. Mais construção de túneis, de viadutos, de muros de arrimo...   

Fora dos galpões há outras peças valiosas de grande escala, uma por uma são cobertas por telhados especiais e restauradas.


No canto esquerdo inferior desta colagem aparece também a sala subterrânea para máquinas estáticas à vapor remanescente do Segundo Sistema Funicular. Este foi construído em 1895-1991 e tem traçado quase paralelo ao do Primeiro, mas tinha rendimento maior e serviu por mais tempo. As principais diferenças: sistema de cabo "sem fim" e adição de máquinas a vapor móveis ("locobreque") com dispositivo que se prendia aos cabos de cada seção. Houve 5 seções com mesma taxa de inclinação de 8% e máquinas à vapor estáticas com potência de 1000 cv em cada patamar para puxar os cabos.  Os "locobreques" foram posicionados abaixo dos vagões e auxiliaram empurrando os na subida e freando na descida.


No museu há também muitas peças e ferramentas utilizadas em oficinas e nos escritórios da ferrovia. Destaca-se uma coleção de veículos ferroviários leves não motorizados utilizados para descida de pessoas em situações de emergência, basicamente como transporte hospitalar no sentido de Cubatão. 

O Segundo Sistema Funicular operou até o ano 1984, e depois ainda foi utilizado em parte para fins turísticos. Há planos de recuperação do segmento superior que deve se tornar a maior amostra operante deste Museu Ferroviário. 

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Com relação ao Primeiro Sistema Funicular, a sua concessão terminou em 1946 e o seu controle passou para a estatal ferroviária do Brasil. Aos poucos o equipamento do século XIX foi retirado, depois disso houve suavização dos patamares e ampliação das vias para bitola de 1,6 m com adição de cremalheira no meio de cada bitola. Este moderno sistema com utilização de locomotivas elétricas especiais com roda dentada que adere à cremalheira opera desde 1974 e tem produtividade muitas ordens acima dos funiculares.       
  
Recomendo dois vídeos explicativos:  

O mirante acima no primeiro plano inclinado ainda não foi aberto ao público, mas é possível ver algo deste gramado ao lado do galpão principal, se orientando pelo ruído característico. 


A composição que sobe do Litoral de repente se materializa dentro das nuvens, logo o barulho diminui e o locomotiva suavemente passa ao nosso lado, seguida pelos vagões. 

Agora vamos acompanhar o trem que segue no sentido oposto:   


É um tanto sinistro: roda devagarinho ao nosso lado e logo a seguir começa afundar na neblina, desaparecendo muito rápido. Nas horas de céu aberto deste ponto podem ser vistas as águas do Atlântico com suas cores esmeralda, e o próprio nome Paranapiacaba significa mais ou menos isso, na língua tupi-guarani. Deve ser uma raridade por causa do clima local com índice pluviométrico por volta de 3000 mm anuais (dobro de Grande São Paulo e 1,5 vezes maior do que no Litoral). 

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Mesmo nos dias claros as primeiras nuvens normalmente nascem aqui, e as nuvens marítimas de altitude média no caminho para o continente costumam se enroscar nesta passagem de serra. E isso também um patrimônio específico de Paranapiacaba que parece viver no meio de nada.


Mas quando nuvens desçam ainda mais, a orientação fica meio difícil:


E isso realça ainda mais as características inglesas do local. Quem deseja sentir esse clima por mais tempo de opção de pernoitar em uma das pousadas da Vila Baixa.

Apesar de alta incidência das neblinas, boas trilhas da Serra do Mar que levam às mirantes e às cachoeiras atraem  cada vez mais os adeptos de caminhadas e de natureza, consolidando a Vila Paranapiacaba também como um destino de ecoturismo.

Transporte 

Via férrea de São Paulo na atualidade oferece apenas uma frequência semanal para Paranapiacaba: o "Expresso Turístico" em si é uma atração à parte: locomotiva e diesel e 2 vagões de aço inox - tudo dos anos 1950, mas perfeitamente restaurado. Partida da Estação Luz aos domingos às 8:30, uma hora e meia de viagem (48 км), com única parada intermediária na Estação Santo André às 9:00. Retorno de Paranapiacaba às 16:30.

Diariamente: trens suburbanos da CPTM (Linha 10 - Turquesa) até a Estação Rio Grande da Serra - cada 10-12 min., de lá há ônibus EMTU: 12 km, 2 vezes por hora (da Estação Santo André 30 km e uma vez por hora). O ponto de ônibus Paranapiacaba fica na Vila Alta (do lado direito da ferrovia indo para Litoral), no fim da rodovia SP-122 (km 52).


Ao lado há amplo estacionamento turístico para visitantes com veículos próprios. De lá eles também devem seguir a pé para passarela. No caso de hospedagem em uma das pousadas da Vila Baixa, o acesso é por viaduto próximo ao km 48 da SP-122, seguindo por mais 6 km pela Estrada Velha de Paranapiacaba (Av. Ford).
                      
Álbuns fotográficos:
Paranapiacaba SP, 2021
 

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